
“Criaram-se diversos feudos dentro do Governo do Distrito Federal”
Relatora do processo por quebra de decoro parlamentar da deputada Eurides Brito (PMDB), a petista Erika Kokay admite que não se convenceu com a tese de defesa da peemedebista sobre o dinheiro que recebeu de Durval Barbosa. “Há muitas contradições”, afirma Erika. Ela falou também do polêmico depoimento que colheu do ex-secretário Durval Barbosa e ouviu que seu partido, o PT, também teria pecados. “Esse tipo de acusação sem fundamentação cria um espectro de temor, de tensão, que a mim não abala em nada”, diz. A petista falou ainda da decepção com o novo governo, que considerou quase como uma intervenção, já que não teve participação popular, e o acusou de criar uma nova forma de política: as capitanias hereditárias pós-modernas. Confira:
O Distrital – A senhora deve apresentar o relatório sobre o processo por quebra de decoro parlamentar contra a deputada peemedebista Eurides Brito esta semana. Como está a elaboração deste documento?
Erika Kokay - Estamos trabalhando para que ele fique pronto já nesta segunda-feira (24). O relatório tem todo o histórico do que aconteceu, tem muitos elementos a serem analisados. Um deles é que o argumento colocado pela deputada Eurides de que o dinheiro (recebido por ela no vídeo gravado por Durval Barbosa) vinha do (ex-governador Joaquim) Roriz não se confirmou. Nem nos depoimentos que foram prestados pelas testemunhas de defesa essa tese se confirmou. Ao contrário, não há nada material, nada consistente. Sobre as reuniões (Eurides explica em sua defesa que recebeu o dinheiro como pagamento dos gastos com reuniões políticas feitas a pedido de Roriz), em algumas, a deputada estaria no mesmo lugar, na mesma hora. As pessoas não conseguem também dar o nome de ninguém que estivesse na reunião. Ou seja, ela apresentou uma tese que, mesmo com as testemunhas, não conseguiu se consolidar. Outro aspecto é que a deputada estaria com relações estremecidas com o ex-governador Roriz. O estremecimento ocorreu, a gente checou as datas e eles estavam com as relações estremecidas durante aquelas reuniões. Nós encontramos do começo de junho, dia 8 de junho de 2006 se não me engano, uma matéria de jornal que já dava notícias da reunião onde Roriz teria dito que iria derrotá-la (a ameaça do ex-governador a Eurides foi uma demonstração pública de que os dois estavam brigados). O jornal dava notícia de que isso teria acontecido semanas antes da data da publicação da matéria (o que daria final de maio de 2006). Seria exatamente no período em que a deputada diz ter feito as reuniões. Há ainda uma série de contradições, então os depoimentos não são contundentes o suficiente para atestar a versão que foi apresentada pela deputada.
Durante a preparação do relatório a senhora ouviu em oitiva secreta o ex-secretário Durval Barbosa. Esse depoimento vazou sem revisão e acabou criando um clima constrangedor na Casa, e ainda levantando suspeitas sobre a sua conduta no caso. Qual avaliação a senhora faz do episódio?
Erika - O vazamento favoreceu a investigada. Eu não tenho nenhuma responsabilidade sobre ele, pedi uma apuração sobre esse aspecto. Estamos cobrando que ele seja investigado, por conta da exposição que houve de alguns parlamentares, absolutamente desnecessária, pela divulgação de um trecho da conversa que não deveria ter sido gravado. A deputada me acusa de falsidade ideológica porque eu retirei uma parte do depoimento que saiu por um equívoco, porque o microfone estava aberto, só por isso. (O trecho retirado por Erika tratava de uma declaração dela a Durval, contando uma suposta denúncia da própria Eurides, feita a ela em uma festa, de que alguns parlamentares teriam recebido propina para aprovar projetos na Câmara). Não deveria compor o relatório para não expor deputados.
Mas a deputada Eurides Brito questionou a forma como esse depoimento foi feito e o fato de a senhora ter tirado um trecho da transcrição do depoimento.
Erika - Ela argumenta, com base no artigo 89 do Regimento Interno, que os trabalhos da comissão só poderiam ser iniciados com a presença da maioria de seus membros. Mas o mesmo artigo diz que “com a presença da maioria de seus membros ou com qualquer número se não houver questões sujeitas a deliberação”. O depoimento de Durval não tinha nenhum tipo de deliberação. O depoimento foi comunicado a apenas dois parlamentares, mas foi disponibilizado a todos os parlamentares. Então não tem porque haver qualquer tipo de questionamento. E o depoimento de Durval não é relevante para a construção do relatório. Ela falou também da supressão das partes do depoimento – não foram “partes”, foi um trecho apenas. Do jeito que ela fala parece que eu adulterei o depoimento inteiro. As declarações do senhor Durval estão mantidas absolutamente na íntegra. E eu retirei o texto porque você não pode pegar um comentário feito em uma festa e transformá-lo em denúncia, seria uma irresponsabilidade. Mas ela diz que isso consistiria até mesmo em quebra de decoro parlamentar. Isso é uma ameaça. Então, para se defender, ela repete o comportamento patrimonialista, de ameaçar. O mesmo comportamento que levou a essa decisão judicial (decisão do TJDFT de afastar Eurides Brito do mandato até o final das investigações para que ela não interferisse no processo). Pelo entendimento da Justiça haveria uma pressão dela sobre os deputados.
Neste mesmo depoimento secreto à senhora, Durval Barbosa fala dos pecados do PT. Como a senhora recebeu essa denúncia?
Erika - É uma denúncia muito genérica. O PT tem 35 mil filiados em Brasília. Durval fala que existe pecados no PT sem dizer quem é o pecador , qual é o modus operandi... E ele se refere a este governo, ao contrário das denúncias do jornalista Edson Sombra, que trataram em sua maior parte de fatos do passado. Ele se refere ao governo Arruda. Nós vamos enfrentar uma campanha em que, provavelmente, a polarização entre o PT e o rorizismo terá voltado à cidade e, obviamente, esse tipo de acusação sem fundamentação cria um espectro de temor, de tensão, que não me abala em nada. E que não vai abalar o Partido dos Trabalhadores, cada um vai continuar sua vida. Eu mesma perguntei quem era o pecador, ele se negou a falar quem era, então fica uma acusação absolutamente etérea, e que não pode ter desdobramentos.
A senhora fala em eleição polarizada, mas o PT pode se coligar ao PMDB. Como seria?
Erika - A resolução tirada no encontro regional do PT fala do recorte ético. Para o PMDB reproduzir uma aliança nacional e compor com o Partido dos Trabalhadores no Distrito Federal, tem de fazer uma opção, entre estar coligando com o PT para construir uma nova realidade no Distrito Federal ou aliar-se com seus membros que estão envolvidos no suposto esquema de corrupção. A resolução do partido é clara: você repete o arco nacional de alianças, mas com recorte ético. Então, se o PMDB vier carregando pessoas que estão absolutamente mergulhadas no escândalo que abalou Brasília, não há viabilidade de qualquer tipo de composição.
Mas a senhora, que convive com parlamentares do PMDB, acredita que o partido fará este recorte ético?
Erika - Eu diria que o PMDB não tem demonstrado, desde o fato da Caixa de Pandora, que teve realmente um rompimento com as pessoas que tiveram essa postura ou com o governo. Porque a líder do governo era do PMDB, o PMDB se retirou do governo, e a líder ficou até o final de seu mandato na liderança. Eurides Brito continuou líder do governo. Ou seja, o PMDB diz estar rompendo com o governo, mas continuou defendendo e representando os interesses do governo na Câmara Legislativa. É uma absoluta incoerência. Como houve incoerência do PPS, como houve de outros partidos.
A posição do PMDB durante toda a crise não indica uma postura de rompimento ou de limpeza ética neste processo. É um partido que todos nós respeitamos, partido de Ulysses Guimarães, que cumpriu uma função na história brasileira. Mas o PMDB não tem indicado que fará uma limpeza ética de suas estruturas para me fazer crer que ele optará pela ética para coligar com o Partido dos Trabalhadores. Sem optar pela ética, essa coligação será impossível.
E qual avaliação a senhora faz do governo do PMDB no DF?
Erika - O governo, em suas primeiras ações, não tem indicado que tenha estatura e compromisso necessários para sanear o Distrito Federal. As funções fundamentais de um governo tampão seriam sanear o Distrito Federal e aumentar os instrumentos de controle. Sanear significa romper os contratos, limpar a máquina... Eu tenho uma tristeza muito grande, porque eu amo por demais Brasília, ao abrir as páginas dos jornais e, me lembro de um poema de Mayakovski, “eu sinto cheiro de pólvora”. Porque você está vendo um governo loteado. Quando se loteia o governo, priorizam-se acordos políticos com objetivos muito imediatos em detrimento de políticas públicas para a população. Não tem como se ter um bom governo quando se faz esse tipo de loteamento, isso é capitania hereditária pós-moderna. Quando se faz esse tipo de loteamento, as capitanias hereditárias pós-modernas, não se tem integração entre as políticas públicas, não se tem uma linha de ação nem um projeto de governo.
Além disso, o governo retomou agora o convênio com o Entorno, um convênio que foi rompido porque se apontou inúmeras irregularidades. Não se mostrou que as irregularidades foram saneadas e, mesmo assim, retoma-se o convênio exatamente como se começou, como se não tivesse acontecido uma inspeção, um rompimento por conta de irregularidades. Então eu digo que esse governo não tem mostrado o compromisso e a envergadura para sanear o Distrito Federal. Estamos vendo uma demonstração de incompetência e de tibieza com o empresariado também nesta questão do Passe Livre. É uma tibieza que não corresponde a um governo que se comprometeu com a moralidade.
A senhora acha que, apesar das mudanças, as práticas políticas continuam as mesmas?
Erika - Até o momento houve um loteamento de cargos. O loteamento hoje é mais explícito do que era antes. Mais explícito não quer dizer que seja maior. Mas o loteamento é nítido. Criaram-se diversos feudos dentro do Governo do Distrito Federal. O líder do governo dizer que não pode ser de oposição quem tem cargos no governo é uma fala emblemática. (Em seu primeiro dia como líder, Aguinaldo de Jesus disse à imprensa que o recém-criado bloco independente não seria tão independente assim porque teria centenas de cargos no GDF). É emblemática porque diz “nós vamos tirar as pessoas ligadas aos deputados que se posicionem contra o governo”. O critério não é competência, capacidade do servidor. O compromisso não é com a política pública é com o servilismo, subalternidade. Isso significa um outro aspecto grave para o estado democrático que é uma Câmara Legislativa absolutamente curvada. Que foi o que nos vimos durante muito tempo. Eu acho que essa legislatura, entre tantas marcas, teve uma fundamental: a marca do servilismo.
A senhora acredita que o bloco independente não é tão independente assim?
Erika - Criar um bloco independente deveria ser absolutamente desnecessário. Todos os parlamentares deveriam carregar uma marca de independência. Todos os partidos deveriam ser independentes. É premissa do exercício parlamentar. Então você ter um bloco independente significa que temos um outro de submissão ao governo?
A senhora acredita que o fantasma da intervenção está definitivamente afastado?
Erika - Quem pode bater no peito hoje e dizer que foi eleito por 13 pessoas? Só o governador Rogério Rosso. Metade da população do Distrito Federal não sabe quem é o governador. Isso não é uma espécie de intervenção? Uma intervenção com relação à vontade do povo? E uma intervenção federal viria, teoricamente, com alguém que não estaria vinculado aos grupos políticos conhecidos da cidade, então teria, teoricamente, mais isenção. Mas nós temos, de certa forma, um interventor, se considerarmos que o povo não votou neste governador, construído em cima de acordos que a população desconhece e que vem das mesmas estruturas que deram origem à Caixa de Pandora. Não estou dizendo que eles estão ligados à Caixa de Pandora, mas que vêm da mesma estrutura, do mesmo Poder.
O que eu temo é que o compromisso passe a ser não com a população de Brasília, que não participou desta eleição, que foi barrada no baile. Mas que o compromisso seja com os 13 eleitores, e é isso que está se vendo.
Então a senhora acredita que ainda há motivo e clima para uma intervenção...
Erika - Criou-se uma CPI na Câmara Legislativa, certo? Mas esta Câmara está investigando alguma coisa? Ela não consegue fazer a CPI andar. E é um instrumento simples! Essa morte prematura da CPI é um indício de que a Câmara não consegue cumprir a sua função, que também é de fiscalizar. Da parte do governo, você tem um governo loteado, loteado inclusive com pessoas que participaram da Caixa de Pandora. Você tem, por exemplo, Hélvia Paranaguá, que teve o indiciamento pedido na CPI da Educação, e foi promovida no governo Rosso (Hélvia é a nova secretária de Educação Integral). Governo que vem na perspectiva de dizer que não é necessária uma intervenção para sanear o DF. Então são muitas contradições. Eu acho que ainda está pautada a perspectiva de uma intervenção.
Fonte: O Distrital
BLOG DO SOMBRA
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